
Dez anos atrás havia nítida diferença entre ensino à distância e o ensino presencial. Com o tempo, as tecnologias digitais e a Internet forçaram uma mudança cultural, a legislação se flexibilizou e a divisão entre presencial/EAD, antes rígida, foi ficando mais fluida. Com a pandemia, a separação EAD-presencial se diluiu muito mais dando lugar a outros termos, entre eles: ensino remoto, on-line, híbrido, presencial-on-line, EAD telepresencial, etc. Seria muito bom haver clareza sobre os significados de tais termos porque eles confundem e enganam (ver[1]).
Mas a ideia de AULA, puxada e esticada de um lado para o outro feito massa de slime, está sendo reconfigurada rápido e embora essa mudança afete a todos, parece que pouco se comenta sobre isso.
Fala-se mais da comparação do ZOOM com o GOOGLE MEET do que do significado de uma AULA com esses recursos.
Em termos de remuneração, em muitas escolas não importa o nível de ensino, a aula é a régua de medição. Os professores recebem por hora/aula, o trabalho do professor se mede por horas/semana… existe uma carga horária mínima dos cursos e do ano letivo baseada em tantas horas-aula. Se a aula se diluir em atividades que o aluno faça em casa mas que demandem trabalho prévio do professor, como ficará a remuneração do professor?
Do lado do aluno, presume-se que após a pandemia muitos resistirão a sair de casa para ter aula, afinal podem ter a mesma aula de suas casas de forma mais barata. Mas outras questões tem que ser colocadas e uma delas é a seguinte: será que uma aula pode ser a mesma, seja ela presencial ou online?
No ensino presencial tradicional, quando o professor está com os alunos na sala de aula, ele pode mudar o que foi planejado, pode testar outras formas de ensinar e de conduzir suas aulas. Terá o professor a mesma autonomia para testar outras formas de ensinar quando estiver no ambiente remoto?
Enquanto na sala de aula presencial o professor fecha a porta e se resolve com os alunos; no ambiente remoto a aula é pública o tempo todo. Entramos então na era do bigbrother nas escolas?
Didática
Uma crítica recente em relação ao cursos de Pedagogia ou licenciaturas é que neles os alunos não aprendem a ensinar (ver [2]). A aplicação do ensino, grosso modo, é o que chamamos de didática (ver[3]). Algumas disciplinas se aprende mais vendo, outras, lendo, outras fazendo. Não se aprende todas as disciplinas do mesmo jeito.
Imagine dois cursos de graduação presenciais tradicionais: um de Pedagogia (disciplina História da Educação) e um curso de Matemática (disciplina Cálculo). Imagine o contexto de ensino, o professor, os alunos, a lousa…agora elimine a lousa de ambas as salas e veja o que acontece: o professor de Cálculo não conseguirá tocar a aula porque precisaria escrever os teoremas e demonstrações. O outro professor, da área de Humanidades, tocaria o processo, mesmo sem os textos por perto se tiver preparado sua aula. Cada área tem sua didática. Isso não ficaria nivelado no ensino on-line? Ou colocamos o teorema e a demonstração em um slide e fazemos uma animação que abre a tela aos poucos?
Aulas online gravadas e não gravadas
As aulas online gravadas agora sofrerão a concorrência direta da Internet. Costumo dizer aos professores que por melhores que sejam suas aulas, existem outras na Internet, melhores. E nesse processo de comparação, presumo que soluções via software aparecerão em breve.
Em breve aparecerão softwares agregadores de aulas: você escolhe o o formato, idioma, assunto, grau de profundidade, a duração, etc…e pronto! Tem um conjunto de aulas para escolher, tanto gratuitas quanto pagas.
Mesmo a ideia da aula invertida precisa ser reinventada
As metodologias ativas tem entre seus pilares a valorização da atuação do aluno, mais do que o conteúdo. A aula invertida via TBL (team based learning), por exemplo, é uma aula diferente, uma aula-experiência calcada em problemas ou estudos de caso. Na aula, quando as pessoas se encontram, elas conversam e discutem entre si para resolver problemas. Mas para chegar aqui estudaram um bocado antes. Sem contar momentos de auto-avaliação, avaliação pelos pares…depois apresentam o trabalho em grupo e grupos aprendem com outros grupos (ver [4]).

Mas no digital, como você divide a sala em grupos? Como você garante participação dos alunos? Como trabalham colaborativamente no remoto?
Existem respostas mas temos que ter as perguntas presentes.
Aliás, o que é mesmo estar presente em uma aula ?
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[1] Bates, A. and Poole, G. (2003) Effective Teaching with Technology in Higher Education: Foundations for Success San Francisco: Jossey-Bass
[3] < https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/diaadia/o-que-e-didatica/53451 >
[4] MICHAELSEN, L. K., DAVIDSON, N., & MAJOR, C. H. (2014). Team-based learning practices and principles in comparison with cooperative learning and problem-based learning. Journal on Excellence in College Teaching, 25(3&4), 57-84.
Um comentário em “Vem aí os softwares agregadores de aula! Mas o que é uma aula ?”